As Agências Reguladoras

Publicado em 10/10/2008

Luiz Guilherme Muller Prado

Advogado, Procurador do Município de Curitiba e Mestrando da Faculdade de Direito da UFPR

As Agências Reguladoras

Nos últimos dois anos surgiram em nosso país, principalmente no âmbito federal, entidades criadas por lei com atribuições de regular e fiscalizar atividades cuja execução é delegada pelo Estado a particulares, através de concessão, permissão ou autorização. São as agências reguladoras, dentre as quais citamos como exemplos a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, instituída pela Lei n° 9.427 de 26.12.96, a ANT – Agência Nacional de Telecomunicações, disciplinada pela Lei n° 9.472, de 16.07.97 e a ANP – Agência Nacional de  Petróleo, gerada pela Lei n° 9.478, de 06.08.97.

A origem dos entes reguladores é atribuída ao direito norte-americano, em que aparecem como pessoas administrativas, com competência especial e personalidade jurídica própria, sob a denominação de State Commission Regulation. Nos EUA a prestação de serviços de caráter público (public utilities) pode ser autorizada a particulares, que recebem da Administração uma licença (license ou permit) para exercer determinada atividade, submetendo-se à regulação e fiscalização da Comissão Estadual de Regulamentação.

Atuam neste país a Interstate Commerce Comission (ICC), encarregada dos setores de ferrovias, transporte de carga e abastecimento de água; a Federal Communication Comission (FCC), nos segmentos de telefonia, radiodifusão e de TV a cabo; e a Federal Energy Regulatory Comission (FERC), que age nas áreas de energia elétrica, gás natural e petróleo.

No Reino Unido também instituíram-se agências autônomas setoriais para disciplinar os serviços públicos privatizados (Offer – energia elétrica; Ofgas – gás natural; Ofwat – saneamento básico; e Oftel – telecomunicações).

A Argentina vive experiência semelhante, tendo sido lá criadas entidades reguladoras voltadas para os setores de gás, eletricidade e água, para citar os mais relevantes.

No Direito brasileiro as agências reguladoras já instituídas têm natureza jurídica de autarquias especiais, sendo, portanto, descentralização jurídica do próprio ente político, integrando a Administração Pública Indireta.

Como autarquias especiais, na lição de Hely Lopes Meirelles, têm “regalias que as leis criadoras lhes conferem para o pleno desempenho de suas finalidades específicas, observadas as restrições constitucionais” (in Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., p. 316).

Desempenham importante função naquelas situações em que o Poder Público delega atividades ao empresário privado. Paralelamente às normas e critérios ordenadores de cada um dos serviços delegados, seja por concessão, permissão ou autorização, surgem estes organismos, constituídos pelo Poder Público para regular cada atividade específica e aplicar as normas pertinentes à espécie.

Pedro Dutra indica que dois fatores determinantes estão na base de criação destes órgãos: a) a incapacidade os mercados, nos quais sobreleve o interesse público sobre o privado, de por si próprios regularem e reprimiram abusos por parte dos agentes nele presentes; b) a incapacidade do Poder Executivo, a partir de sua estrutura tradicional, de promover tal regulação (in Revista do IBRAC, vol. 4, n° 3, março/97).

O surgimento dos entes em apreço visa proporcionar a disciplina e a fiscalização independentes de serviços públicos delegados, que tenham por finalidade principal o interesse público, com maior capacidade de resistência a toda sorte de pressões. Busca-se uma melhoria qualitativa da atuação pública que é realizada indiretamente pelo particular.

Na criação destes organismos tem-se observado o princípio da especialidade, sendo esta uma tendência mundial. Quer isto dizer que há vocação de se instituir uma agência para cada segmento específico, o que se justifica pela grande diversidade de serviços públicos, em vários segmentos de atividades econômicas, com características diferenciadas de demanda, investimento e tecnologia.

A competência das agências deriva necessariamente do ordenamento jurídico, que a delimita. Dentre suas principais atribuições podemos indicar as seguintes: a) fiscalização dos serviços e cumprimento das condições ditadas pelos contratos e pela lei; b) poderes regulamentares; c) controle sobre a fixação de tarifas (que devem ser justas e razoáveis); d) as de natureza disciplinar, relacionadas com a imposição de sanções; e) instituição de condutas competitivas, como mecanismo de estímulo à eficiência;

Esta nova função estatal, desempenhada pelos órgão reguladores, que tende a proteger o funcionamento eficiente de todo o ciclo econômico, com o propósito de melhorar a qualidade das atividades de caráter público, vem a suprir um papel que antes o Estado não assumia no campo de regulação econômica, em que a tônica de sua atuação baseava-se em mecanismos que desconsideravam a realidade de mercado e acabavam, muitas vezes, por alterar artificialmente a oferta e a demanda.

É fundamental que se assegure independência às agências reguladoras, ou seja, elas devem ter capacidade de perseguir prioritariamente o atendimento dos direitos e interesses do usuário e a eficiência da indústria, em detrimento de quaisquer outros objetivos conflitantes. A independência é pressuposto para que o órgão possa desempenhar com autonomia suas funções, evitando a influência política na gestão da entidade. Isto pode ser viabilizado através: a) da garantia de estabilidade e inamovibilidade dos dirigentes, que devem ter mandatos longos e não coincidentes com o ciclo eleitoral; b) de métodos claros e objetivos de escolha e destituição destes dirigentes; c) da autonomia financeira, com geração de recursos próprios por meio da cobrança de taxa de regulação ou de fiscalização, instituída na própria lei de criação do ente regulador.

Examinando o conjunto de elementos que constituem o regime de organização e de controle dos entes reguladores na Argentina, que guarda semelhança com as agências reguladoras instituídas no Brasil, Juan Carlos Cassagne considera a impossibilidade de reconhecer-se a estas entidades plena autonomia, na medida em que se corporificam como entes autárquicos, achando-se, em consequência, submetidos ao poder de tutela do Estado, através dos órgãos da administração direta a que estejam vinculados (in El Derecho Público Actual, 1994, p. 33/52).

Por outro lado, não se pode perder de vista que na estrutura das agências reguladoras é indispensável a previsão de mecanismos através dos quais se garanta a participação do usuário do serviço público na fiscalização e controle da atividade delegada, através de instrumentos colocados a sua disposição para reclamar e exigir o pronto atendimento a seus direitos.

Quanto ao controle administrativo de suas atividades, como autênticas autarquias, são elas submetidas ao poder de supervisão e tutela exercidos pelo Poder Executivo.

No que pertine ao controle judicial, seus atos estão submetidos ao mesmo regime dos atos administrativos em geral, podendo ser objeto de impetração de mandado de segurança, propositura de ação civil pública e ação popular, além de eventuais ações ordinárias e cautelares cabíveis.

Sem sombra de dúvida, o surgimento das agências reguladoras abre a perspectiva da prestação de serviços públicos com melhor qualidade. Entretanto, para que isto se efetive, devem estes entes atuar com verdadeira independência, alheios a pressões, não servindo como mais um instrumento de favorecimento político ou de simples preenchimento de cargos.

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